quinta-feira, março 02, 2006

Fazei o bem


A parte de ação social da mega-igreja era algo sempre abordado nas reuniões semanais do staff gerencial.
Percebia-se, ainda que veladamente, que havia um desejo, por parte do staff, de dar ao departamento a “cara” da mega-igreja.
O primeiro passo foi buscar no mercado um profissional com uma visão contemporânea do que é, de fato, ação social.
Assim foi feito.
O novo CEO da área, um ex-executivo de uma das maiores empresas de RH do mercado, tinha uma visão bem particular do que seria ação social e não abria mão dela.
“Ação social num país de miseráveis analfabetos como o nosso se faz com educação, e ponto final!”, disse numa das primeiras reuniões, sendo aplaudido com entusiasmo, sobretudo pelo pastor Premium.
Afinal - descobriu-se mais tarde - ele era seu sobrinho e nem mesmo o fato de que não saberia distinguir uma Bíblia de uma lista telefônica influenciou a decisão de nomeá-lo Humanitarian Relief Chief da mega-igreja.
Afinal, ele possuía um MBA e um doutorado – ainda que o MBA fosse na área de Tecnologia da Informação e o doutorado na área de Ciências Contábeis.
Nessa reunião, seu estilo “The Boss” acabou gerando algum mal-estar, principalmente entre a turma mais antiga ligada ao departamento de ação social.
“Para começar, já mandei confeccionar as novas placas de identificação com a nova denominação de nosso departamento. Vamos abolir a antiga expressão “Ação Social” e nos modernizar”, disse ele assim que o pastor Premium lhe franqueou a palavra.
Algumas irmãs idosas, cautelosas, alegaram que algumas pessoas humildes e sem instrução poderiam ter dificuldades em associar o novo nome ao antigo serviço.
“Problema deles!!!”, vociferou o HRC, “Vocês precisam entender que a nova proposta é erradicar esse tipo de ignorância”.
Cabisbaixas, as irmãs permaneceram em silêncio pelo restante da reunião, ante o olhar reprovador do pastor Premium.

"Essa turma não se emenda", comentou ele em voz baixa com o pastor Platinum.
Seguiu-se então uma apresentação muito bem elaborada, toda em multi-mídia, usando recursos como projetor data-show e power point, exemplificando toda a nova estratégia da área da Humanitarian Relief.
A maioria absoluta dos antigos integrantes e colaboradores do finado departamento de Ação Social não entenderam quase nada do que era explicado, talvez porque sobravam expressões em inglês e termos das áreas de administração de empresas, marketing, tecnologia da informação, sociologia, etc. Mas alguma coisa pôde ser entendida, embora ao final muitos preferissem ter ficado sem saber dessas novidades: a distribuição de cestas básicas para as famílias carentes seria encerrada, pois era um “paternalismo sem sentido, fora do padrão atual de auxílio adotado pelas mega-igrejas de todo o mundo”; os cursos de corte e costura, artesanato, remédios caseiros, produção de pães e outros seriam extintos, sendo substituídos por “algo mas antenado com a modernidade” como criação de websites, técnicas para criação de weblog´s, fotografia digital, programação de aplicativos para palmtop´s, tecnologia wireless e por aí vai.
Mas o pior ainda estava por vir.
Na saída da reunião, ainda atônitas com a enxurrada de informações, as diaconisas e os diáconos saíam meio aturdidas pelo imenso corredor da mega-igreja, quando se depararam, chocadas, com uma autêntica agressão.
A sala do Bazar Beneficente, um orgulho das irmãs, estava sendo esvaziada, como todas mercadorias e equipamentos sendo arremessados para um caminhão, sem o menor cuidado.
No lugar da placa com a inscrição “Bazar Beneficente Sião”, um dos funcionários afixou uma belíssimo painel com luz interna no qual se lê “Humanitarian Relief Center”. A diaconisa mais idosa da igreja, ao ver aquilo, desmaia.

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